Lahore, pensamentos no dia seguinte

Lahore, capital da província de Punjab, sofreu ontem um dos mais terríveis atentados da sua história. No final do dia de Domingo de Páscoa, um bombista suicida rebentou-se num dos parques mais populares da cidade. Para já contam-se 72 mortos, mas com quase 300 feridos o número deverá subir nos próximos dias.

O ataque de ontem transmite, na sua forma mais dantesca e preversa, através da morte de crianças e mães, uma série de mensagens que importa entender. O ataque, reivindicado pelo Tehreek-i-Taliban Pakistan Jamaatul Ahrar (um subgrupo Talibã radicado no Paquistão), é uma prova de que os Talibã conseguem operar onde e quando quiserem no Paquistão...

Nos últimos meses gerou-se um clima de confiança de que os Talibãs estariam limitados a um raio de acção próximo da fronteira com o Afeganistão. O ataque na Universidade de Bacha Khan (Charsadda) a 20 Janeiro, ou a explosão do autocarro governamental em Peshawar a 7 de Março pareciam confirmar a incapacidade dos Talibãs actuarem longe da fronteira. A tragédia de ontem em Lahore destrói esta narrativa.

O ataque é também um claro sinal da intolerância dos Talibãs Paquistaneses para com a tolerância inter-religiosa do actual governo. O actual governo do Paquistão, este ano, na mesma semana, concedeu feriado à minoria Hindu (Holi, na quinta-feira) e à minoria Cristã (Domingo de Páscoa) e com isso arriscava-se a comprementar a visão fundamentalista de quem entende a Religião apenas e só em tom bélico: Nós contra Eles!

O ataque é um claro "murro simbólico" contra o Primeiro-Ministro Nawaz Sharif que nasceu em Lahore, e que disse recentemente que a província de Punjab estaria brevemente livre do fundamentalismo dos Talibãs e do Daesh. Uma mensagem audaciosa, do homem que reforçou os poderes dos Rangers e do Exército para estabilizar, com imenso sucesso, a muito instável Carachi.

O ataque insere-se, ainda, no momento em que ocorriam uma série de manisfestações pró-Mumtaz Qadri em Islamabad (onde mais de 2000 homens permanecem, ainda hoje, sentados frente ao Parlamento) e em Rawalpindi. Os protestos de domingo terão reunido mais de 10.000 manifestantes em Rawalpindi e quase 25.000 em Islamabad. Uma estranha demonstração de apoio, para com um assassino...

Pequena pausa explicativa: Mumtaz Qadri, fundamentalista islâmico, foi executado, por ordem judicial a 29 de Fevereiro (dia escolhido de propósito para evitar celebrações anuais, por causa do aniversário da sua morte!) após ter assassinado o Governador Salman Taseer, de quem era guarda-costas. Isto porque o Governador em causa defendera Asia Bibi, mulher Cristã, num caso em que a mesma era acusada injustamente de blasfémia.

Mas se o ataque tem dimensões simbólicas importantes, também tem os seus fracassos. O ataque que tinha por alvo famílias cristãs, acabou por vitimar essencialmente famílias muçulmanas. O ataque que pretendia criar apenas medo e aprofundar divisões; levou a uma extraordinária onda da solidariedade com centenas a doarem sangue e a prestarem auxílo. Nas redes sociais corre mesmo a frase de que "há sangue muçulmano e cristão misturado em cada transfusão".

O ataque levou o Primeiro-Ministro a dotar os Rangers de maior poder; ao estilo do que aconteceu em Carachi. Ora os Rangers, em parceria com o Exército, já mostraram ter capacidade de estabilizar uma megapólis de 24 milhões como Carachi, pelo que Lahore, que conta com o beneplácito do Primeiro-Ministro, deverá aguardar por melhores dias.

O ataque, para além da raiva, do choque e dor, causou ainda uma curiosa onda de indignação na emergente classe média Paquistanesa, que não consegue entender a lógica do bombista suicida se ter feito rebentar na zona dos baloiços. Mesmo que o alvo preferencial fossem as crianças cristãs, na zona dos baloiços não existem religiões pelo que foi aposta errada...

É certo que o ataque de ontem em Lahore levou a ajustes nas rotinas de hoje por todo o país. Ao contrário do que normalmente acontece, hoje o Fidalgo foi revistado ao entrar na Faculdade onde lecciona... Isto apesar de entrar na mesma, com carro e motorista da Faculdade. E de dormir dentro do campus, num edifício da Faculdade. Mas esses pequenos a pessoas tolera. A dor, o horror e o choque levarão mais tempo a ajustar...

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