Um ano e um dia, e amanhã é Setembro

30 de Agosto, 2015. Lembro-me de passar o controlo de segurança, depois de feito o check-in, com a tranquilidade normal de mais um voo. Eu que já ando "pelos ares" desde 2005, já tomo certas coisas como rituais. Fui calmamente para a porta de embarque. Sentei-me. Li as últimas mensagens que prometiam sucesso e desejavam felicidade. Respondi a todas.

Liguei-te. E tentando estar serena desejaste-me muita sorte, muita felicidade, muito sucesso. E declaraste, uma vez mais, o orgulho que tinhas em mim e quando ias dizer que "amo-te muito filho", quase senti a humidade salgada das lágrimas grossas que rolavam pelos olhos de jade, que emolduram o teu rosto sereno. E terminámos os dois a chorar. Um em Abrantes, outro em Lisboa. Distância curta que se tornaria longa num instante.

E respondi a mais umas quantas mensagens. Lá se fez anunciar o embarque para Istambul. Curioso como embarcar para Istambul se tornou normal, desde 2013. Era em Istambul que tudo passaria a ser novo. E com esse sentido de uma certa normalidade, num momento novo, lá me sentei; coloquei os auriculares; escolhi um album jazz e serenei...

Aterrei em Istambul. Normal. Já o fizera antes. Mas desta vez não segui para o embarque doméstico, com rumo a Ancara. Desta vez segui no embarque internacional. Destino: Carachi. Agora sim começava o novo. Mas é difícil pensar em "novo" num aeroporto conhecido. E por isso só quando descolámos, deixando para trás o que conhecia, percebi pela primeira vez que estava a começar algo novo. Dali para a frente o desconhecido!

Aterrei em Carachi que me recebeu, de madrugada, com o abraço quente dos 28 graus celsius. Um oficial com o meu nome impresso num papel guiou-me pelo aeroporto. Passámos o controlo de passaporto. Recolhemos a mala. Um segundo rosto, tão desconhecido quanto sorridente, envergava um segundo papel com o meu nome. E uma hora depois dormia no quarto, a que agora chamo de casa.

30 de Agosto, 2016. Acordei, pouco passava das oito da manhã. Sem pressas, que a pressa é companheira de quem não tem rotinas. E eu tenho rotinas; muitas; ordeiras; consistentes. Ainda não eram nove da manhã e já aguardava pelo pequeno-almoço na sala comum. Há um ano atrás era no quarto. Gosto mais assim. Somos gente e não pedras. Precisamos de outra gente que nos "gentifique".

Segui directo ao gabinete, num campus que tem já poucos segredos para mim. Preparei café, aroma "Paris", para começar a manhã. E num instante estava na sala de aula. Conheço os rostos de muitos dos alunos e alunas sentados na sala, e ainda nem leccionei para a maioria. Coisas de Coordenador de Licenciatura.

Segui de uma aula, para a outra. Quase sem pausa, porque há sempre mais um papel a assinar e mais uma chamada urgente. E quando dei por mim estava na "Sala de Eventos", num evento informal de convívio entre alunos e docentes do meu departamento. Havia expectativa nos caloiros e sorriso nos demais. E esperavam palavras minhas.

E subi ao palco. Alinhei o corpo com o pódio. E quando deviam sair sons, saíram primeiro lágrimas. A emoção por vezes vence. E por vezes nem luto. Respirei fundo. Revi o que queria dizer. Lá saíram fonemas organizados, sem a complexidade desejada e sem a criatividade ensaiada. Fonemas simples, secos, informativos mas envoltos em veludo.

Almocei. E segui para mais uma aula. O dia, há um ano, teria terminado, mas não terminou. Corri. Fiz exercícios físicos complementares. E sentei-me para responder a emails: mais de sessenta. E respondi a tudo. Pelo meio três chamadas e umas quantas mensagens. Até uma breve ligação skype com um colega na Alemanha. E deitei-me... Amanhã será outro dia.


Comments