Notas sobre o simbolismo da final de críquete no Paquistão

A Associação de Estudantes do IBA convidou-me no sábado à noite para assistir, no domingo à noite, à final da Super Liga de Criquete do Paquistão (PSL). A final, que decorreu em Lahore, foi transmitida num ecrã gigante no anfiteatro do IBA... E para que tal evento acontecesse precisavam ter um docente presente, ou não teriam permissão da administração. A honra coube ao docente português (que nem segue a modalidade)!

As bancadas do anfiteatro estiveram sempre cheias e bastante animadas, enquanto eu ia tentando perceber um desporto que nunca me chamou a atenção. E após ver a final entre Peshawar e Quetta confesso que o desejo de saber mais sobre críquete é mínimo, ou nulo. Mas então porque aceitei estar presente na transmissão da final que decorreu das 18h até perto da 1h da manhã?

Porque esta final tinha uma importante dimensão simbólica. Voltou-se a jogar críquete profissional no Paquistão, após uma proibição legal imposta em 2009 na sequência de um ataque à selecção de críquete do Sri Lanka. O ataque, que vitimou 6 polícias e 2 civis, aconteceu a 3 de Março de 2009, antes de um jogo que iria decorrer mesmo estádio que agora recebeu a final da PSL este ano.

A proibição legal obrigou a alguma criatividade, num país que vibra tanto com o críquete como Portugal vibra com o futebol e os EUA com o basquetebol. A PSL passou a ser jogada nos Emiratos Árabes Unidos. Este ano a liga foi, uma vez mais jogada nos Emiratos Árabes Unidos, mas a final, por decisão do governo federal decorreu este ano em Lahore, no Estádio Qaddafi.

A decisão dividiu a classe política e a sociedade paquistanesa. De um lado os apoiantes do Primeiro-Ministro Nawaz Sharif (PML-N) e da tese da "normalização progressiva", que aplaudiram a iniciativa que convenientemente acontece antes das próximas legislativas que se disputarão algures em Março de 2018. A final de ontem foi uma vitória para esta ala.

Na outra ala, as vozes críticas com expoente máximo no líder do PTI (e curiosamente ex-jogador de críquete!), Imran Khan, e dos adeptos da tese do "estabilizar primeiro". Para esta ala a despesa colossal gasta com um dispositivo de segurança massivo (que levou, pelo menos, três anos a planear) criou ontem uma falsa sensação de segurança. Imran Khan disse mesmo: "com este dispositivo todo até na Síria podiam fazer a final".

As duas teses estão certas. O Paquistão precisa de fazer uma normalização progressiva da sua vida cultural e desportiva, mas antes disso precisa de estabilizar primeiro os sectores ecónomico-social e conservadores. A onda de atentados das últimas semanas, que culminou com o atentado em Sehwan, mais não foi do que uma reacção dos grupos ultra-conservadores que temem a normalização do país.

Porque o recrutamento quer para as várias facções dos Talibãs, quer para o auto-proclamado Estado Islâmico, quer para as milícias locais, é mais fácil se não houver esperança de que as coisas vão melhorar. Sem a passividade, induzida pela falta de esperança, do crente, que aguarda que a fé e a oração mova os problemas em passe mágico, estes grupos perdem muito do seu poder magnético.

Foi isso que o Primeiro-Ministro do Paquistão tentou contrariar com a organização da final de ontem, que (dizem os fãs da modalidade) não foi especialmente entusiasmante do ponto de vista desportivo, mas que do ponto de vista simbólico criou uma onda de optimismo pelo futuro próximo que é importante saber utilizar nos tempos vindouros.

A final sem incidentes de segurança foi um prémio também para o exército, que atravessa uma fase de lutas interinas pela manutenção de cargos; pois a chegada de um novo Chefe das Forças Armadas cria sempre oportunidades e ameaças. A final foi assim um momento de rara união nacional, que é preciso saber valorizar, até porque lá para o final do ano entramos em pré-campanha eleitoral...

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